domingo, 23 de março de 2008

Cidades e sites da internet são muito parecidos


Imagino que você conheça algum site do tipo conhecido como "web 2.0", que são aqueles sites bem interativos onde os usuários geram e compartilham o conteúdo, como o YouTube e o Orkut. Já notou que sua organização é bem parecida com a de uma cidade? Vou explicar. Em um site como os citados acima, há uma estrutura pré-definida que organiza as informações em cada página, o tamanho do espaço que cada tipo de conteúdo vai ocupar e como ele será acessado. Há também regras para dizer que tipo de conteúdo pode e o que não pode estar no site. No YouTube é proibido colocar vídeos que mostrem pessoas sofrendo algum tipo de violência ou que incitem à práticas criminosas; no Orkut são proibidas mensagens de cunho discriminatório e racista; e por aí vai. Essas regras existem para o bem de toda a comunidade e devem ser seguidas por todos, ou seja, o que é de direito público sobrepõe-se sobre o privado. E praticamente todo o conteúdo desse tipo de site é gerado pelos usuários para ser colocado nessa estrutura; no YouTube são os vídeos, comentários, perfis e canais; no Orkut os perfis, fotos comunidades e outros.

Com as cidades acontece exatamente a mesma coisa. Há uma grande estrutura sobre a qual seus usuários inserem conteúdo. Materialmente essa estrutura são as ruas, as redes de energia elétrica, telefonia, água, esgoto, entre outras facilidades. Todavia tão importante quanto esta é também a estrutura "imaterial", ou intelectual, que são as leis e as estruturas governamentais. Entre as leis podemos destacar o plano diretor e a lei de uso e ocupação do solo (em alguns locais conhecida pela sigla LUOS). O plano diretor dá as diretrizes básicas do planejamento da cidade, enquanto a lei de uso e ocupação do solo é mais detalhista, determinando quais os usos compatíveis em cada pedaço de terreno do município. Dessa forma, o plano diretor e a LUOS ordenam todo o uso e ocupação do espaço urbano e direcionam o crescimento da cidade. Ou pelo menos é assim que deveria ser.

No Brasil quase tudo que é construído é feito à margem da lei, e por isso se instala a desordem urbana. Cada município tem suas leis para regular o uso e a ocupação do solo, mas de maneira geral não é complicado nem mesmo muito oneroso seguir essas leis, se compararmos isso com todo o dinheiro e tempo gastos para concluir uma obra. O que há é a falta de uma cultura de planejamento e espírito público nos brasileiros. Os governos pouco fazem para resolver o problema da habitação dos pobres; a classe média, antes de se informar sobre a lei já quer saber como burlar e também como fazer pra não pagar arquiteto, e ainda fazem umas casas horrivelmente enormes, que não cabem no orçamento e nunca estão prontas, mas ficam para sempre enfeiando a cidade... Na classe média alta e entre os ricos também há muito jeitinho pra burlar as leis, como pra fazer um prédio maior do que ele poderia ser, sobrecarregando a infraestrutura da cidade, ou sonegar impostos. E tem ainda um mau gosto terrível da parte de certos membros dessas classes sociais, admiradores do hoje chamado "Neoclássico"¹ e outras imitações de estilos antigos. O grande problema com estes estilos nem é a aparência, mas sim a falta de identidade cultural dessas pessoas, que adotam esses estilos somente como uma forma de ostentação material. Contudo esses estilos estão originalmente ligados à conceitos da época em que foram criados, e seu uso hoje é algo totalmente vazio de significado.²

Enfim, qual é a mensagem que eu quero passar com este texto? As cidades são como o YouTube: o que a gente vê lá é o que as pessoas colocam lá. Se algo não se encaixa nas regras, deve ser alterado ou eliminado para não prejudicar a comunidade. Se a cidade é desorganizada, insalubre, o trânsito é ruim e falta água porque fizeram uma favela do lado do manancial que abastece a cidade, e o esgoto dessa favela diminuiu pela metade a água disponível para consumo, é porque você, eu, o governo e seus vizinhos não fazemos nossa parte direito. Pois o que está aí é o que nós fizemos.



¹ O hoje chamado neoclássico nada tem a ver com o estilo arquitetônico adotado nos palácios dos séculos XVIII e XIX. O que se faz hoje é um pastiche, uma colagem, geralmente mal feita, de elementos arquitetônicos associados à esses palácios e a uma vaga noção de nobreza e classe atribuída aos mesmos.
² Para comparar com o que se faz no Brasil: em Taipei, capital de Taiwan, o edifício Taipei 101 é símbolo de ostentação material e cultural da elite econômica e de todo o povo de Taiwan. É uma torre de 101 andares e cerca de 500 metros de altura, cuja estrutura é inspirada no bambú, planta típica local. Com sua forma inspirada no bambú o design do edifício cria uma forte e verdadeira referência cultural, além de tornar a estrutura do edifício mais eficiente.



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2 comentários:

Alex Silva disse...

Acredito que o crescimento desordenado da Internet é um reflexo da desordem social que vivemos, trata-se apenas de uma transferência de atômo para bit (Nicholas Negroponte). A "Tecnodemocracia" proposta por Pierre Lévy em a Tecnologias da Inteligência (1993, Editora 34) esta sendo banalizada. A solução é...(...)

luciano l. basso disse...

Cara, o neoclássico dos séc. XVIII e XIX no Brasil também era uma colagem ruim realizada pela missão francesa... por isso da luta do dr. Lucio Costa e seus parceiros para termos uma arquitetura brasileira... então nem a estupidez que tem sido realizada atualmente e nem a colagem classicista dos séculos passados são toleráveis...

E na boa, tu acha mesmo bonita a Tapei 101? Tu acha que é válido construir uma estrutura de aço e concreto com 500 metros de altura, inspirado em um bambu? Aqui no sul tem uma cidade que se intitula a capital do moranguinho e o pórtico da cidade é um morango gigante, com uns 10, 12 metros de altura... a população de identifica muito com ele... é o cartão postal da cidade e por isso é uma boa idéia cair nesse tipo de obviedade?

vale pensar...