terça-feira, 20 de novembro de 2007

Pondo a arquitetura na mesa

Está mais do que na hora do Brasil discutir a arquitetura, atividade humana tão essencial quanto desprezada, talvez por sua vulgar onipresença, afinal, trata-se de algo muito óbvio, o espaço planejado pelo homem para si. Quando pensamos nas grandes civilizações antigas, ou nas nações desenvolvidas, logo nos vêm à mente a imagem de suas cidades e construções, as ruas largas, as praças bem cuidadas, o belo conjunto formado pelas edifícios, novos ou antigos, ambos muito bem conservados. Aqui costumamos nos gabar de nossas belezas naturais, com o imerecido orgulho de quem diz "isso aí fui eu que fiz", quando na verdade não fizemos coisa alguma, e, muito pelo contrário, ainda destruímos muito.

Não é à tôa que temos tanto orgulho de nossas belezas naturais, tirando isso não sobra muita coisa, mesmo. Nossas cidades são de baixíssima qualidade, salvo raras exceções, que muitas vezes se perdem no tempo ou acabam tendo seu propósito desvirtuado. E não se engane em achar que quando falo de baixa qualidade quero dizer apenas que as casas são feias. Esse engano é bastante comum, já que aqui no Brasil aprendemos a acreditar que arquitetura é coisa para ricos e seus palácios, bem como o arquiteto, que é o sujeito que os desenha. Arquitetura é planejamento, e isso é o que mais falta neste país, depois da educação, que quando há acaba trazendo tudo o mais em seguida. E nossas cidades não têm quase planejamento, e quando tem não o executam. E dessa forma vão crescendo cada vez mais as favelas, com toda sua precariedade, as casas e terrenos ficam cada vez mais caros, a água não chega, a energia falta. E acaba que até quem poderia entrar no sistema, dentro da legalidade, trazendo trabalho ou moradia a quem precisa, não o faz porque os obstáculos do lugar não permitem: burocracia, crime, trânsito ruim, terrenos caros, informalidade e por aí vai.

Num cenário como esse, por onde vai a discussão da arquitetura? Acredito que começa por explicar à quem ainda não sabe, ou seja, quase todo mundo, a importância da boa arquitetura. É preciso fazer os leigos entenderem que não se trata de um custo supérfluo, e que o projeto é um trabalho que exige conhecimento e esforço da parte dos arquitetos e dos vários outros profissionais envolvidos. E qual é, afinal, a importância da boa arquitetura? É nos espaços arquitetônicos que passamos a maior parte de nossas vidas, e sua organização, dimensão, materiais usados e tudo o mais ligado aos mesmos moldam nossa cultura, e vice-versa. Ou seja, há uma troca, a sociedade molda a arquitetura, e a arquitetura também molda a sociedade.

Acredito que os argumentos citados bastam para entendermos o quão importante é a boa arquitetura, e nos espantarmos com o fato de que não a realizamos. E por quê? Porque a promoção da nossa qualidade de vida acaba esbarrando em interesses políticos e econômicos que somente visam produzir lucro a um pequeno grupo de pessoas, independente disto prejudicar a quase todas as outras. Como se não bastasse, há também muito preconceito e desconhecimento por parte da população em geral — dizem que arquitetura é coisa de rico, que não precisa de arquiteto, basta engenheiro, que arquiteto "não passa de três andares"... Por isso mesmo temos que pôr a arquitetura na mesa; nós que conhecemos devemos mostrar à sociedade o quanto ela perde ao não dar a devida importância à arquitetura, mantendo-a subordinada à interesses mesquinhos, que nada se importam com a qualidade de vida da sociedade. É preciso sempre exercitar nosso espírito público e fazer nossa parte, mesmo que os governos, empresas e outras associações não o façam — como, aliás, a maioria vem não fazendo. Só assim a sociedade muda para melhor.


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